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O início dos direitos da criança e a personalidade natural

O início dos direitos da criança e a personalidade natural
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dez. 3 - 7 min de leitura
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Daniela Antonelli Lacerda Bufacchi

Especialista em Direito Civil/Família do escritório Edgard Leite Advogados Associados

 O Código Civil brasileiro traz, em seu artigo 2º, disposição aparentemente simples e esclarecedora quanto ao início da personalidade natural. Afirma  que esta tem início com o nascimento com vida.

 E, de fato, bastaria o nascimento com vida, ainda que o recém-nascido viesse a falecer um segundo após o nascimento. O legislador brasileiro não se preocupou com a “viabilidade do nascituro”, como fizeram alguns legisladores estrangeiros (1).

 Por esta disposição legislativa, portanto, o legislador brasileiro determinou não apenas o início da personalidade, mas também o início dos direitos da pessoa humana. Isso porque, nos termos do que leciona Walter Moraes (2), personalidade é a “aptidão para ser sujeito de direito” e, consequentemente, para ser pessoa. Relação mais simples não poderia haver.

 A grande questão que o Código Civil brasileiro suscitou, por outro lado, diz respeito à garantia dos direitos do nascituro (artigo 2º, segunda parte). Com efeito, o dispositivo assim estatui: “Art. 2o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.

 O que significa, portanto, que a lei coloca a salvo os direitos do nascituro? Que ele teria direitos desde a concepção? Que ele teria mera expectativa de direito que se consumaria com o nascimento com vida? Afinal, se para ser sujeito de direitos e, portanto, ter direitos, deve se ter personalidade – que só se dá com o nascimento com vida – como se operaria a ressalva do artigo 2º do Código Civil Brasileiro?

 Tais foram os questionamentos perpetrados que os doutrinadores desenvolveram três teorias a respeito da natureza jurídica do nascituro que, em breve síntese, se explicam:

 a) Teoria natalista, defendida por Caio Mario da Silva Pereira.

Para esta corrente, o nascituro não é dotado de personalidade e, portanto, não é sujeito de direitos. Apenas o será quando de seu nascimento com vida. A este respeito é o que leciona Caio Mário da Silva Pereira:

 O nascituro não é ainda uma pessoa, não é um ser dotado de personalidade jurídica. Os direitos que se lhe reconhecem permanecem em estado potencial. Se nasce e adquire personalidade, integram-se na sua trilogia essencial, sujeito, objeto e relação jurídica; mas, se se frustra, o direito não chega a constituir-se, e não há falar, portanto, em reconhecimento de personalidade ao nascituro, nem se admitir que antes do nascimento já ele é sujeito de direito.

(...)

A personalidade jurídica, no nosso direito, continuamos a sustentar, tem começo com o nascimento com vida.

 b) Teoria da personalidade condicional (ou concepcionista condicional), defendida por Washington de Barros Monteiro.

Para esta corrente, ainda que somente o nascimento com vida confira personalidade a alguém, nada impede que os direitos do nascituro sejam resguardados desde a concepção.

 Com efeito, a personalidade surge apenas com o nascimento com vida, mas os direitos são resguardados desde o momento da concepção, caso o feto nasça com vida.

 Portanto, se o nascituro nascer com vida, todos os direitos que, potencialmente, ele tinha enquanto feto consolidar-se-ão em sua pessoa, retroagindo à data da concepção.

 c) Teoria concepcionista, adotada por Maria Helena Diniz.

Por fim, a teoria concepcionista – pura e simples – entende que o nascituro possui personalidade jurídica desde sua concepção, mas não uma personalidade virtual (ou condicionada), como sustenta a teoria da personalidade condicional.

 Por ser dotado de genética própria, diversa daquela de seus genitores, o nascituro pode ser considerado pessoa desde sua concepção, podendo ser individualizado no meio social. A partir disso, portanto, inegável que o nascituro já possui direitos resguardados, como o direito à vida, a alimentos etc.

 Estes direitos, por sua vez, com o nascimento com vida, apenas se consolidam na pessoa do recém-nascido, mas sempre existindo, desde o momento da concepção. O efeito é o mesmo da teoria concepcionista condicional, mas o pressuposto é diverso, pois para a teoria concepcionista pura e simples, o nascituro sempre foi pessoa.

 Por todas estas considerações, verifica-se que não há, de fato, um entendimento singular a respeito do início dos direitos do nascituro e, consequentemente, de sua personalidade.

 Por um lado, o Código é expresso quanto ao início da personalidade de toda e qualquer pessoa, qual seja, do nascimento com vida. E daí seria automático o entendimento de que apenas quando da aquisição da personalidade alguém poderia ser titular de direitos e deveres, pois personalidade nada mais é do que a aptidão para ser sujeito de direitos e deveres.

 Todavia, a ressalva prevista no artigo 2º do Código Civil traz algumas dificuldades, pois estaria relativizando o início dos direitos da pessoa para momento anterior à aquisição de sua personalidade. E isso apenas nos impõe novos questionamentos: Afinal, a personalidade – sendo a aptidão para titularizar direitos e deveres – seria ou não imprescindível para a conferência de direitos a alguém? O entendimento do Código seria, portanto, contraditório?

 Pela estruturação atual do sistema jurídico brasileiro, a teoria que melhor se aplica é a da personalidade condicional, sustentada por Washington de Barros Monteiro, pela qual a pessoa só adquire personalidade jurídica quando do nascimento com vida, apesar de todos os seus direitos retroagirem à data da concepção.

 Por outro lado, tentadora é a interpretação conferida pelos defensores da teoria concepcionista, pela qual o nascituro teria personalidade desde sua concepção, considerando tratar-se de ser vivo passível de individualização, tendo em vista sua identidade genética única e particular.

 

________________________________________

(1) DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. 29ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, vol. 1, p. 221.

 (2) MORAES, Walter. Concepção tomista de pessoa: um contributo para a teoria do direito da personalidade. In: Edições Especiais: Revista dos Tribunais. Doutrinas Essenciais: Responsabilidade Civil, vol. 1 – Teoria Geral. JUNIOR, Nelson Nery; ANDRADE NERY, Rosa Maria de (org). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 820-821.

 (3) PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: introdução ao direito civil – teoria geral de direito civil. 23ª ed. rev. e atual. por Maria Celina Bodin de Moraes. Rio de Janeiro: Forense, 2009, vol. 1, pp. 184; 186.

 (4) MONTEIRO, WASHINGTON DE BARROS. Curso de direito civil: parte geral. 41ª ed. rev. e atual. por Ana Cristina de Barros Monteiro França Pinto. São Paulo: Saraiva, 2007, vol. 1, pp. 63-65.

 (5) DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. 29ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, vol. 1, Pp. 221-222.


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